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sábado, 17 de abril de 2010

As duas faces da maçã




Malus
Uma virgem pode convencer toda uma cultura.
Uma rainha por puro incesto pode reinar ante uma civilização
Virgem Maria ou Rainha Cleópatra?
Mulher – uma deusa da sabedoria ou da guerra?


Teria Eva realmente traído Deus e Adão? Teria Capitu realmente traído Bentinho? A Bíblia Sagrada foi escrita por homens, não no sentido uniforme de ser humano, mas literalmente no gênero masculino. E Dom Casmurro, oras, tem como autor Machado de Assis, outro homem...
Tudo bem, não quero me apoiar no senso comum. Sei muito bem a diferença entre escritor e narrador. Mas, senhor leitor, a mulher, antes mesmo dos tempos mitológicos, já era descrita como cobra, o mesmo animal peçonhento que convenceu o homem a comer o fruto proibido devido à sua língua ardilosa. Se houvesse história para o nascimento do touro, diriam que foi a vaca que traiu o boi. É uma vaca mesmo, até chifres lhe pôs!
O homem é santo; a mulher é bruxa. O cristianismo é a salvação; o paganismo, a maldição. Pois bem, gostaria que se atentasse a uma história que aconteceu há um tempo. Talvez a mulher não seja tão vil assim...

Atena, este era o nome da mulher de olhos verdejantes, cabelos castanhos e inspiração grega. Numa noite costumeira, Atena fazia um trajeto perigoso para retornar para casa, mediada numa metrópole enfurecida e de tempos nefastos.
Atena estava numa fase difícil de sua vida: seu relacionamento amoroso não ia bem. Alexandre, seu noivo, passava por crises no trabalho. Ultimamente, ele agira de modo frio. Por isso, hoje ela se arrumara especialmente para ele.
A rua pela qual passava no momento permanecia como sempre: amena, misteriosa e, talvez, inquietante. A noite se encontrava obscura da luz, mas arquitetava visivelmente com as trevas. As brumas inexplicáveis transpareciam dentro de uma neblina espessa.
Seu noivo a advertia, fazendo-a prometer que não passaria por ali. Entretanto, Atena não tinha opção, pois por aquela passagem chegaria mais rapidamente a casa. Chegando, porém, não descansaria, mesmo depois de um dia extremamente exaustivo de trabalho; emanaria energia positiva ao seu amor, dando-lhe afeto e serenidade.
De repente, ela ficou trêmula – algo incomum estava acontecendo.
- Quem está aí? – ela soltou ao ar.
Sem resposta, e sentindo baforadas perto de sua nuca, começou a correr, suas botas de couro sintético provocando dores em seus delicados pés.
Sem demora, Atena ouviu vozes muito altas; possuíam timbres ásperos e exasperados. Tais pessoas trajavam vestimentas escuras que expunham medo e sofrimento, com máscaras acobertando suas faces misteriosas, um pentagrama desenhado na fronte de cada uma delas. Envolvidos pela treva rasteira, pareciam sombras acobertadas pela escuridão inebriante.
Os bandidos não demoraram a alcançá-la. Atena sentiu uma veia de sua têmpora pulsar desesperadamente. Os homens ofuscaram de uma vez toda a felicidade daquela mulher batalhadora. Seus olhos foram persuadidos a se fechar. Seu corpo foi tocado arduamente.
Agindo por instinto, Atena reagiu de maneira brutal. Ao agitar-se, sem controle, porém, foi beijada. Seus lábios estavam frios e impossibilitados de se esquivar. Nessas circunstâncias, mordeu com firmeza a boca do agressor. O homem virou-se e, num ato repentino, lançou seu braço em um soco diagonal, sua luva negra enchendo-se de plasma sanguíneo.
Ferida, Atena vociferou com todas as forças que pôde. Após o grito, um dos bandidos, o que parecia vigiar os arredores, manifestou-se. Ele correu e empurrou seu companheiro, tirando-o de cima dela. Então, ele começou a tocá-la. Os pêlos de Atena se arrepiaram à medida que o bandido debruçava suas mãos por todo o seu corpo trêmulo.
A esta altura, Atena parecia estar confusa. Teria sido uma tola por não ter seguido o conselho de Alexandre, seu noivo?
Há cerca de meio ano, os dois haviam combinado que deveriam ter um filho, para que animasse a casa, providenciando o tão esperado casamento. Contudo, a situação talvez não permitisse.
Inesperadamente, seus olhos cruzaram com os do bandido. Uma fixação deixou o clima enigmático.
- Eu falei para você não passar por aqui... – a voz do bandido soou em tom cálido.
- Alexandre?!!! – ela murmurou, tossindo e gaguejando quase que em uníssono.
Então era por isso que ele a mandara não passar por ali? Aquele homem, banhado pelo ar de insanidade, era seu amor...
Ela novamente tentou reagir; desferiu vários cortes com suas unhas manicuradas em Alexandre.
- Eu a amo tanto... – confessou ele, abaixando a voz. – Mas agora não posso parar, senão eles me matarão também...
Ele levantou um pouco sua máscara, deixando que o símbolo modelado do pentagrama apontasse para o céu noturno. Logo depois, começou a amá-la da mesma forma que fizera na noite de núpcias, no dia mais feliz e importante da vida de Atena. Aqueles carinhos, embora utilizados com uma certa violência, a comoveram por alguns instantes. Ela se arrumara com muito afinco para agradá-lo, para consagrarem o desejo de ter um filho. Só não imaginava que seria assim... sendo estuprada pelo próprio noivo e assaltada por bandidos.
Os salteadores, no entanto, se cansaram daquela desordem cujo propósito era somente de roubo. Sendo impiedosos e cruéis, os homens matavam qualquer um que saqueavam.
Ao mesmo tempo em que Alexandre puxava com violência o coque dos cabelos castanhos de Atena, arrancando-lhe alguns fios sedosos, outro bandido sacou uma pistola do seu casaco. Os saqueadores ordenaram que Alexandre a deixasse só. Inexplicavelmente, ele não queria se separar daquele corpo amado. Sentia-se de alguma forma atraído, com um sentimento que o envolvia por inteiro. Sem delongas, chutaram-no entre as costelas, de modo que rolasse pela rua.
Atena sabia que seria seu fim. Fechou novamente seus olhos, recapitulando, em relances por sua mente, as vezes em que tentara ter seu futuro filho, que seria doce e amável.
O silenciador não deixou que a arma produzisse um som estridente, mas o cheiro de pólvora se mesclou com aquele clima fúnebre. Seu olfato ainda funcionava... podia cheirar...
Atena abriu com ímpeto os olhos... Alexandre estava em cima dela, tremendo sem parar. Ele havia se sacrificado por ela... mas por quê?
O sangue jorrava do corpo de Alexandre. Ele estava de bruços sobre sua mulher, e o sangue que saiu pela sua boca mergulhou pelos lábios de Atena.
- E-eu errei... – sussurrou Alexandre. – M-mas... e-eu... te amo... M-me perdoe...
O luar da noite parecia banhar-se com a poça de sangue com a qual o corpo de Alexandre jazia. O horror de vê-lo tremer nos últimos instantes de sua vida se cravou no breu. Então, sentindo o cano do revólver pressionado contra sua testa, aceitou o abraço, o derradeiro aperto, de seu homem.
- Eu o perdôo... – declarou Atena, enquanto suas decorrentes lágrimas a acompanhavam para seu desconhecido caminho.

E agora, caro leitor? O que acha da alma feminina? Ainda considera a mulher como uma costela retirada do homem, um câncer extraído do ser humano que, ainda assim, o atormentaria e o mataria em nome de uma peste invisível chamada amor?
Talvez eu tenha me excedido. A história, na verdade, também possui uma outra versão. Vamos, então, ao outro final...

- E-eu errei... – sussurrou Alexandre. – M-mas... e-eu... te amo... M-me perdoe...
Atena olhou para o homem, envolto por sangue, jazido sobre o solo de pragas. De abrupto, ela mostrou uma de suas mãos; um revólver surgiu, um de seus dedos entrelaçado no gatillo, o cheiro de pólvora emanando ao redor.
- Fui eu que atirei, e você nem percebeu…
Alexandre ficou boquiaberto. Atena se levantou imponentemente.
- Você achou que me enganaria? Não me diga que achou o design da máscara que você usa de mais. “Simboliza o mal, o satã”, você debe ter pensado. Ah, não me faça rir. Esse símbolo originalmente faz juz à deusa romava Venus, ou seja, uma mulher… Fui eu que deixei você entrar no bando. Acompanhei seus passos sujos, me enganando, mentindo para mim todos os dias. Mas sabe do que mais, eu planejei todo esse circo. Fui a artista que ensaiou o espetáculo da sua morte. E sabe por quê? Porque você é um estéril de merda! Achou que eu não descobriria?
Com muito esforço, Alexandre arrancou sua máscara, a imagem do pentagrama lhe
caindo como uma maldição.
- A mãe-natureza deve estar puta com você. Até mais.
E Atena terminou o serviço, um sorriso débil e delicioso esboçando-se em seus lábios carnudos, como se tivesse uma grande conquista na era helenística.

Como pôde perceber, seleto leitor, embora o palco seja o mesmo, parta de uma mesma situação inicial, o clímax e o desfecho mudaram de enredo. Mas, é claro, o mais importante sou eu, o narrador! Ora personagem, ora onisciente. Que coisa, não? O foco narrativo deste conto é meu, e ponto final.
Portanto, faço-lhe um desafio. O ponto-chave desta trama reside na seguinte pregunta: o narrador-personagem é masculino ou femenino? Se está acontecendo em primeira pessoa, eu estou sendo, de certa maneira, parcial. Mesmo assim, se a primeira impressão que passei foi a de que apenas defenderia o sexo frágil, parece que muito o enganei. Dizem que a mulher é muito mais competitiva que o homem… sendo assim, eu estaria criticando a feminilidade por puro capricho meu ou, por outro lado, minha voz masculina é que, na realidade, despontou nesta história?
Tente adivinhar. Sou homem ou mulher? E aí, escolherá quem, a Medusa ou Perseu? O espectro ou a Cartomante? As mulheres são ninfas, sereias ou harpias? A resposta transpira nas linhas que já leu, mas a reflexão se delineia a partir do emaranhado de linhas que se costurarão em sua mente.
Ah, pentagrama, ajude nosso Templário Leitor! Cinco retas, cinco pontas, cinco elementos, mas uma só Grande Mãe…

Philip

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